A operação Fames-19, deflagrada pela Polícia Federal para apurar fraudes em contratos do governo do Tocantins durante a pandemia, revelou novos elementos que colocam em xeque a gestão estadual. Entre as provas, estão áudios extraídos do celular de Paulo César Lustosa, conhecido como PC Lustosa, que mostram diálogos sobre supostos esquemas de desvio de recursos públicos.
Nas gravações, PC Lustosa conversa com o irmão, Wilton Rosa Pires, também alvo da investigação, e menciona diretamente a mudança de poder no estado. Em um dos trechos, ele afirma: “Sai da mão do Carlesse e entra na mão do Wanderlei. Meu Deus do céu, você não imagina o esquema que esses caras estão montando aí. Tá difícil, ficou um lugar complicado”.
Os investigadores apontam que os áudios revelam indícios de fraudes relacionadas à compra de frangos congelados e cestas básicas distribuídas durante o período de emergência da covid-19. Segundo a Polícia Federal, os contratos sob suspeita somam cerca de R$ 97 milhões, com prejuízo estimado em R$ 73 milhões aos cofres públicos.
As apurações mostram ainda que os envolvidos teriam criado listas falsas com supostos beneficiários e até utilizado cestas emprestadas para montar fotos fraudulentas e burlar a prestação de contas. As mensagens analisadas pela PF também indicam que propinas eram tratadas como “bênçãos” dentro do esquema.
O dinheiro desviado, segundo os investigadores, foi ocultado em propriedades de luxo, compra de gado e despesas pessoais. Além disso, a investigação aponta para uma prática sistemática de saques fracionados em valores abaixo de R$ 50 mil, método conhecido como “smurfing”, usado para evitar a comunicação obrigatória de movimentações atípicas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Defesa do governador
O governador afastado do Tocantins, Wanderlei Barbosa, citado nas conversas, nega envolvimento no caso. Em nota, afirmou que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome e que os próprios áudios “mostram que os interlocutores reconhecem que o governador não aceita propina”.
Ele também destacou que determinou auditorias pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e pela Controladoria-Geral do Estado (CGE) sobre os contratos mencionados, reforçando confiança de que o devido processo legal irá esclarecer os fatos.
A primeira-dama, Karynne Sotero, igualmente mencionada em outra frente da investigação, alegou não ter vínculo com PC Lustosa desde 2017 e considerou incorreta qualquer associação entre sua imagem e os fatos apurados.
Já a defesa de PC Lustosa afirmou que os áudios foram apresentados de forma fragmentada e descontextualizada, negando que ele tenha envolvimento em esquemas ilícitos. A defesa de Wilton Rosa Pires disse que ainda não teve acesso aos autos e, por isso, não se manifestaria.
Contexto da operação
A segunda fase da operação Fames-19 ocorreu em 3 de setembro de 2025 e levou ao afastamento de Wanderlei Barbosa do cargo por seis meses, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A investigação mira diretamente os contratos de fornecimento de alimentos destinados a famílias em situação de vulnerabilidade durante a pandemia.
Segundo a PF, há fortes indícios de que os investigados se aproveitaram da situação de emergência em saúde pública entre 2020 e 2021 para desviar recursos por meio de contratos superfaturados e falsificações documentais.
O caso segue em sigilo no STJ, mas os novos áudios reforçam a gravidade das acusações e aumentam a pressão política sobre o governo do Tocantins.