Em meio ao alerta sanitário sobre casos de intoxicação por metanol em várias regiões do estado, bebidas alcoólicas de origem desconhecida continuam sendo comercializadas livremente nas ruas de São Paulo. Em áreas de grande movimento, como o Brás, no centro, e o Largo 13, em Santo Amaro, zona sul da capital, é possível encontrar uma grande variedade de cachaças sem registro de fabricação, rótulos improvisados e até garrafas com animais dentro, vendidas a céu aberto sem qualquer fiscalização.
Entre as curiosidades que chamam atenção estão as chamadas “pingas de piada” — bebidas com nomes de duplo sentido ou conteúdo sexual, usadas como presentes entre amigos. Rótulos como “Na Bundinha”, “Amansa Corno”, “Pau do Índio”, “Noku” e “Xixi de Virgem” estampam garrafas vendidas a preços variados, sem qualquer informação sobre o fabricante ou o local de origem. Em muitos casos, os vendedores afirmam que vêm de Minas Gerais ou de estados do Nordeste, mas sem comprovação.
Algumas dessas garrafas chegam a ser reaproveitadas de marcas conhecidas de cerveja, com o novo rótulo colado por cima e lacres improvisados em papel alumínio. O sabor, segundo consumidores que se arriscam a experimentar, é levemente aguado e sem características definidas de uma boa cachaça artesanal.
Outra variação encontrada são as bebidas com animais no interior da garrafa, como lagostas, caranguejos e, em alguns casos, cobras. Os preços variam de R$ 40 a R$ 80. Além do risco biológico evidente, especialistas alertam para o perigo químico desse tipo de produto, já que o corpo dos animais em contato com o álcool pode liberar toxinas que o líquido não neutraliza completamente.
De acordo com a professora Zila Van Der Meer Sanchez, do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a falta de controle no processo de destilação e o uso de matérias-primas de origem duvidosa aumentam o risco de contaminação por metanol, substância altamente tóxica que pode causar cegueira, paralisia e até morte. Segundo ela, “quando o produtor não tem experiência e mistura as frações erradas da destilação, a bebida pode conter doses perigosas de metanol e outros compostos que sobrecarregam fígado, rins e sistema nervoso”.
Zila explica ainda que o álcool não é capaz de “esterilizar” completamente os animais colocados nas garrafas. Com o tempo, ocorre decomposição dos tecidos e liberação de compostos tóxicos, o que torna o consumo potencialmente perigoso. “Essas bebidas não passam por nenhuma análise sanitária, então não há como garantir que sejam seguras”, reforça a especialista.
O advogado Igor Lodi Marchetti, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), lembra que o comerciante é responsável pelo produto que vende e pode responder judicialmente caso o consumo cause danos à saúde. Ele alerta que o artigo 272 do Código Penal tipifica como crime vender produtos impróprios para consumo. “O consumidor que se deparar com esse tipo de mercadoria pode acionar a Vigilância Sanitária ou o Procon, e, se tiver ingerido e apresentar sintomas, deve procurar atendimento médico e registrar boletim de ocorrência”, orienta.
A Secretaria da Segurança Pública informou que a fiscalização de bebidas sem registro é atribuição da prefeitura e da Vigilância Sanitária. Já a Secretaria Municipal da Saúde, por meio da Covisa, reforça que cabe à vigilância local inspecionar o comércio varejista e verificar se as bebidas possuem lacres de segurança, rótulos completos e registro junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), responsável pela regulamentação de produtos destilados.
Enquanto autoridades discutem responsabilidades, a venda das “pingas de piada” segue livre em São Paulo. Entre gargalhadas e curiosidade dos turistas, rótulos como “Na Bundinha” e “Amansa Corno” continuam pendurados em prateleiras populares, representando um risco real disfarçado de brincadeira.